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Da Google à Near: Illia Polosukhin explica na NOVA porque a IA deve ser propriedade dos utilizadores

Da Google à Near: Illia Polosukhin explica na NOVA porque a IA deve ser propriedade dos utilizadores

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Illia Polosukhin, coautor da arquitetura Transformer e cofundador da Near Protocol, veio à Confluence Conference, organizada na NOVA a 17 e 18 de novembro, para lançar um aviso claro: a corrida à inteligência artificial não é apenas tecnológica – é política, económica e social.

A conferência, coorganizada pelo NOVA Blockchain Lab, da NOVA Information Management School, e pelo NOVA SBE Data, Operations & Technology Knowledge Center, foi uma conferência satélite da 1.ª Conferência Internacional do IEEE sobre Distributed Ledger Technologies, reunindo investigadores, líderes de indústria, startups e estudantes em dois dias dedicados à tecnologia blockchain.

Da Google Research à Near: quando a IA esbarra no problema dos pagamentos

Na conversa com o público, Polosukhin revisitou o percurso que o levou da Google Research – onde participou na criação dos Transformers, hoje base de modelos como ChatGPT, Claude e muitos outros – ao universo blockchain.

Depois de sair da Google em 2017, criou a Near AI, uma empresa focada em “ensinar máquinas a programar”, muito antes de isso ser mainstream. A ideia parecia delirante na altura: computadores a escrever código a partir de instruções em linguagem natural. Mas rapidamente surgiu um obstáculo: como pagar, de forma eficiente e global, às pessoas que ajudavam a gerar e validar dados para treinar estes modelos, desde a Europa de Leste à Ásia?

As infraestruturas financeiras tradicionais mostraram-se lentas, caras e cheias de barreiras legais. As criptomoedas existentes também não respondiam ao problema: “Se envio alguns dólares e a taxa custa o mesmo que o valor enviado, o sistema não funciona”, resumiu. Foi dessa necessidade que nasceu a Near Protocol, pensada desde o início como uma infraestrutura para micropagamentos globais, coordenação de trabalho distribuído e, mais tarde, como base para uma nova economia de aplicações descentralizadas.

"Quem controla a IA, controla a forma como vemos o mundo."

O centro da intervenção de Polosukhin foi, no entanto, a relação entre IA e poder. À medida que os modelos se aproximam de capacidades de “general intelligence”, o risco não está apenas em bugs técnicos, mas em quem define as regras do jogo.

“Quem controla estes modelos controla os vieses, o que é mostrado, o que é escondido e que decisões são sugeridas a milhões de pessoas”, alertou, recordando que os sistemas que hoje filtram notícias, recomendações e conteúdos em plataformas sociais já moldam a percepção de realidade de grande parte da população.

Numa visão que alterna entre a utopia e uma distopia à “1984”, Polosukhin descreveu um futuro próximo em que deixamos de interagir com apps e interfaces clássicas: em vez disso, cada pessoa terá um “AI operating system” pessoal, capaz de tomar decisões em seu nome e negociar diretamente com outros agentes de IA, desde encomendar refeições a planear viagens ou gerir investimentos.

O problema, insiste, é simples de formular e difícil de resolver: de que lado está esse sistema? Do lado do utilizador ou do lado de uma empresa cujo objetivo é maximizar lucro?

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User-owned AI e DCML: uma proposta para IA privada e verificável

Como alternativa ao modelo atual – dominado por grandes plataformas que operam modelos fechados e centralizados – Polosukhin apresentou o conceito de user-owned AI, em que a função de utilidade do sistema é, por definição, otimizar o bem-estar do utilizador, e não receitas publicitárias ou métricas internas.

Para tornar isto tecnicamente possível, a Near está a desenvolver o que chama Decentralised Confidential Machine Learning (DCML): uma rede de computação descentralizada que permite utilizar GPUs e data centers espalhados pelo mundo sem expor nem os dados dos utilizadores, nem os parâmetros dos modelos, nem o código que os faz funcionar.

A peça-chave são os Trusted Execution Environments (TEE), ambientes de execução seguros integrados no hardware de fabricantes como a Intel, a NVIDIA ou a AMD, que permitem executar código de forma confidencial e gerar provas criptográficas de que um determinado modelo, com determinado código, foi de facto executado, sem revelar o seu conteúdo. Em cima dessa camada, a Near propõe uma “cloud confidencial”, onde qualquer operador pode ligar o seu hardware à rede e receber pagamentos, coordenados via blockchain, por fornecer capacidade de computação para IA.

Duas das primeiras materializações desta visão foram também reveladas na conferência:

  • private.ai – um “ChatGPT alternativo totalmente privado”, em que as conversas não podem ser vistas nem usadas para treino por ninguém, mas que tira partido de modelos de grande escala na cloud confidencial;
  • cloud.nearbit.ai – uma API para developers que queiram oferecer IA privada nas suas aplicações, sem tocarem diretamente em dados sensíveis dos utilizadores, particularmente relevante no contexto europeu e do RGPD.
Do attention economy aos “universal markets” de agentes de IA

Se a interface do futuro passa por agentes de IA a falar uns com os outros, a economia da internet também se transforma. O atual modelo de attention economy – onde Google, redes sociais e outras plataformas monetizam a nossa atenção através de publicidade – perde sentido num mundo em que o “cliente” é um agente de IA que não vê anúncios nem se deixa persuadir por eles.

Polosukhin descreveu então o conceito de universal markets, baseado em intents: em vez de uma transação dizer “comprar X a Y”, o utilizador (ou o seu agente de IA) declara uma intenção (“preciso de um jantar para hoje”, “quero headphones com estas características”, “preciso de 10 mil toneladas de aço”) e uma rede de solvers encontra, negocia e executa a melhor forma de concretizar esse objetivo, inicialmente em contexto cripto, mas cada vez mais ligado à economia real e ao e-commerce.

Energia, bolha e o conselho aos estudantes: “Têm uma janela de 10 anos”

Na conversa com o moderador e o público, Polosukhin abordou ainda três temas sensíveis: energia, bolha e futuro do trabalho.

Sobre o bottleneck atual da IA, foi claro: o limite já não é apenas o número de GPUs, é eletricidade. Treinar e experimentar novos modelos em larga escala exige milhares de GPUs a correr dias seguidos, o que cria uma pressão inédita sobre redes elétricas e infraestruturas de data centers em vários países.

Confrontado com a ideia de que a IA pode ser “uma nova bolha dot-com”, admitiu que pode haver excesso de investimento e correções nas valorizações financeiras, mas separou finanças de tecnologia: o que os modelos conseguem hoje fazer, e não conseguiam há dois anos, “não é uma bolha”. Mesmo um eventual “overbuild” de GPUs pode, na sua visão, ser positivo se redes descentralizadas conseguirem aproveitar essa capacidade ociosa.

Já em relação ao papel dos estudantes numa era em que “os agentes vão programar”, Polosukhin deixou um misto de aviso e motivação:

“Estamos numa altura única. Daqui a 10 anos, quase já não haverá nada para construir da mesma forma. Mas agora há uma janela enorme: se perceberem bem os fundamentos de ciência de computação e souberem usar IA, podem ser 10 ou 100 vezes mais produtivos do que um engenheiro há poucos anos.”

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